Como a quarentena afetou a rotina do ensino finlandês

Na segunda feira do dia 16.03 às 16h, todos os professores da Finlândia estavam acompanhando o pronunciamento das ministras sobre a decisão de fechar ou não as escolas. A ministra da educação Li Anderson falou que a educação é a espinha dorsal do país e por isto a decisão era difícil. Como manter o mesmo nível com aulas à distância?

Sim, ela tinha toda a razão, não foi uma decisão fácil. Mas, a quarentena veio, sob opiniões divididas a favor e contra, as escolas foram fechadas. A educação infantil permanece aberta para dar apoio aos pais com crianças pequenas e o primário do 1 ao 3 ano dependendo da demanda, porém, com muito poucos alnos.

Embora estivéssemos já falando sobre o fechamento e todas as escolas tiveram seus planos e reuniões sobre isto, a quarentena pegou os professores de surpresa e nós tivemos o nosso momento de total catarze pensando: e agora…como faremos? Estamos preparados para aulas à distância?

AS DIFICULDADES

Na primeira semana de quarentena a ansiedade tomou conta de todos os educadores, não estávamos somente em casa, estamos em casa trabalhando mais do que antes e aprendendo como realizar aulas on-line. Os “help desks” que prestam apoio aos professores tiveram um aumento de 100 telefonemas diários para 400. Professores trouxeram seus computadores para casa mas não conseguiam como acessar os programas sem a Intranet da escola. Todo o nosso plano anual de ensino teve que ser revisado, tivemos que refazer tudo sem deixar de cumprir as metas curriculares nacionais.

O primeiro impulso foi usar a conhecida plataforma WILMA que é o principal meio de comunicação entre professores, pais e alunos e… esta foi a nossa primeira e grande frustração! Não conseguíamos sequer enviar um anexo por essa plataforma. Viamos várias mensagens diárias entre colegas sugerindo esta ou aquela maneira de se comunicar com os alunos. Os diretores das escolas estressados tentando ajudar ao máximo os professores. Vários problemas que nem imaginávamos que poderiam acontecer em situação de educação à distância.

A AGONIA DOS PAIS

Na outra ponta, os pais encontramva-se mais perdidos que nós e recebíamos todos os tipos de mensagens:

– Só temos um computador em casa e três filhos, a escola pode emprestar os tablets?
– Não temos impressora, não podemos imprimir as tarefas
– Está vindo tarefa demais
– As tarefas que vem necessitam de mais explicação, não conseguimos ajudar nossos filhos
– Não quero que meu filho fique com a cara no computador o dia inteiro, tem que enviar as tarefas para imprimir
– Tem que haver comunicação entre os professores, os alunos estão confusos
– As aulas correspondem a carga horária real?
– como vai ficar as provas, os alunos perderão o ano?
No meu caso em particular: professora, posso escrever no caderno e tirar uma foto? Não consigo botar os acentos de português no computador.

Todas estas dúvidas, somadas as nossas dúvidas mais alguns alunos do ensino médio que sumiram, não respondendo aos professores e não fazendo as tarefas. Damos falta? Como podemos considerar falta?

AS SEMANAS VÃO AVANÇANDO

Muitos e-mails pipocando, reuniões on-line quase todos os dias e mais e mais sugestões. Não houve tempo para um treinamento prévio, não foi escolhido uma plataforma de EAD comum a todos os professores muito menos a todas as escolas. No final, cada professor faz o que lhe é mais fácil, o que é possível.

Na terceira semana já percebemos que vamos perder o ano letivo. Os telefones do ministério da educação congestionados por infinitas ligações perguntando sobre as notas. Como daremos as notas? de que forma? Todos novamente parados, quase que com a respiração trancada, como faremos com as notas? E aqueles que iam se formar no ensino médio?

A comunicação dos pais e com os próprios alunos aumentou, os diretores também esperam respostas, os professores esperam por orientação. Nossa escola obedece à Bruxelas, todos esperando qual o posicionamento deles.

A SUPERAÇÃO

Alguma luz no final do túnel, pais começam a reconhecer e a elogiar o nosso trabalho na segunda semana. Nós começamos a acreditar que conseguiremos. A ministra Li Anderson e os diretores escolares dizendo sempre que confiam nos professores porque somos proficionais treinados… treinados? Ninguém se sente treinado para uma situação como esta. Palavras de apoio vem a todo momento, mas nas discussões on-line professores se sentem cansandos e desmotivados; dúvidas e muitos “será?”

Com o passar do tempo cada professor foi encontrando o seu meio de realizar as aulas à distancia e conseguindo harmonizar com a resposta dos alunos às tarefas. Video aulas, Zoom, e-mail, google classroom, WhatsApp… tudo foi testado e usado.

Nos sentimos um pouco melhor, entrando numa espécie de rotina e acreditando que as famílias também conseguiram achar a sua rotina. O constante diálogo escola – familia tem nos ajudado a fazer os ajustes necessários.

O APRENDIZADO

Pela primeira vez os finlandeses percebem que não são os melhores do mundo e que existe muito a aprender. Chegamos nesta situação porque não temos orientação nem treinamento para trabalhar com EAD e esta é uma boa oportunidade para repensar as formas de educação.

Temos que reconhecer que tivemos sim, muita orientação e cursos on-line ofereceidos pelas escolas e muitas plataformas novas que foram oferecidas gratuitamente aos professores.

Todas as orientações vieram em forma de sugestão e a direção da escola enfatizou que confiava em nossa capacidade e experiência e que a palavra final era nossa. Cada professor é auto suficiente para decidir qual estratégia pedagógica poderia aplicar. Isto reforçou a noção de confiança e liberdade dos professores finlandeses. Isto, na minha opinião foi um ganho muito grande com esta crise, a liberdade dos professores que sempre foi tão falada foi definitivamente provada. Nenhuma decisão vertical foi levada em efeito, tudo foi discutido e pensado em conjunto. Nenhum dia de aula foi perdido e os currículos estão sendo seguidos.  Cada professor superou-se em tentar manter a qualidade do ensino que colocou a Finlândia entre os cinco melhores no mundo em educação.

A quarentena ainda não acabou, foi extendida até o final de maio, alunos do primário passarão de ano automaticamente. O procedimento para os outros anos ainda não foi decidido. Alunos do último ano receberão o certificado pelo correio. Festas de formatura adiadas.

No dia 29 de abril tivemos outro pronunciamento das ministras em relação a abertura das escolas. Seguindo a tendência dos outros países escandinavos, a Finlândia reabre as escolas no dia 14 de maio, numa quinta-feira. Como o país suspendeu o chamado “Estado de emergência” não existe subsídio legal para as escolas permanecerem fechadas.

Embora tenhamos somente duas semanas de aula antes das férias de verão, o ministério da educação considera que este tempo de retorno será muito valioso. As escolas finlandesas terão que seguir novas regras de distanciamento e higiene.

escola1
corredores vazios na escola

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