Oi pessoal, estou escrevendo este artigo atendendo a muitos pedidos de pessoas que querem saber mais sobre a minha experiência de professora na Finlândia e como foi a minha integração neste país.
Eu nasci e vivi parte da minha vida em Porto Alegre, foi lá que me formei na primeira faculdade e onde conheci o meu marido finlandês. Depois de casada, viajei e mudei muito de local, vivemos na Finlândia em duas ocasiões. Em julho de 2006, após uma temporada de cinco anos no Brasil, mudamos novamente para cá por causa do trabalho do meu marido. Viemos com os nossos dois filhos, Sami, nascido no Brasil e Erik, nascido na Finlândia, ambos com dupla nacionalidade.
Moramos em duas ocasiões na Finlândia, primeiro em 1992-2000 e depois retornamos em 2006.
FINLÂNDIA – ENSINANDO PORTUGUÊS
Chegando à Finlândia, ou melhor, retornando, o principal objetivo era retomar a língua esquecida por cinco anos. Ouvir o meu marido falar com as crianças não foi o suficiente para manter a capacidade de falar e entender o finlandês. Como eu já havia falado antes e já conhecia a base da língua, não consegui me adaptar em nenhum curso de finlandês. Talvez, faltasse a paciência já que eu sabia que tudo estava guardado em algum lugar no meu cérebro, era só achar onde. O caminho foi ser autodidata e, até hoje, eu estudo e aprimoro a minha habilidade de falar finlandês estudando sozinha.
Rapidamente veio o convite para dar aulas de português, uma vez que muitas firmas ainda lembravam do meu trabalho anterior como professora de português. Muitas conhecidas minhas, estrangeiras também, tinham seguido por este mesmo caminho. Uma das únicas coisas que você pode fazer num país estrangeiro sem sofrer preconceitos é ensinar a sua própria língua enquanto não se é capaz ainda de falar a língua local. Cheguei a me dedicar a aprender métodos de ensino de língua estrangeira e fiz o melhor que pude.
Dei aulas para muitas empresas e também em algumas escolas. Porém, um professor nativo de língua estrangeira nunca está realmente integrado no sistema de ensino, até porque as aulas de português não são todos os dias e você não tem como estabelecer contato permanente com os alunos. Outro fato que percebi é que, como professora de português, eu tinha que me apegar a tudo relacionado a minha cultura, como ferramenta para melhorar as aulas. Desta forma, eu me distanciava dos outros professores e do sistema em geral e os outros também ao me ver, sempre lembravam que eu era “a professora de português” e a minha condição de estrangeira me precedia. Em outras palavras, eu estava incluída, mas não integrada e como tal, naquela época, não tinha condições de analisar e compreender como o sistema realmente funcionava, mesmo sendo pedagoga.
Dei aulas em várias escolas na região de Espoo, Vantaa e Helsinki para adultos e crianças. Cheguei a abrir uma firma, onde dava aulas, fazia traduções e treinamentos para empresas interessadas no Brasil. Situação que me deixava financeiramente segura, mas me afastava da minha verdadeira profissão.
TRABALHANDO COM EDUCAҀÃO INFANTIL
No primeiro ano me concentrei em retomar o finlandês e enviei os meus papeis da faculdade de pedagogia para o Ministério da Educação finlandês a fim de serem paralelizados. Após cinco meses veio a resposta que o meu curso tinha sido reconhecido e que eu possuia o grau de professora/pedagoga também aqui na Finlândia.
Quando senti que o meu finlandês já era suficiente para me comunicar, entrei nas páginas de emprego da cidade e me inscrevi para vaga de professora em cinco creches. Na carta de apresentação uma das primeiras coisas era mencionar que eu era estrangeira, para não haver surpresas na hora da entrevista. Cheguei a deixar um chamado “requerimento aberto” no sistema de empregos da cidade. Neste requerimento você apenas preenche os espaços com suas informações e não existe a pergunta: Você é estrangeira? Através deste requerimento, a diretora de uma creche da localidade me telefonou, ela viu o currículo e o sobrenome finlandês e isto a fez pensar que eu era finlandesa. Foi visível a sua decepção quando começamos a conversar e ela notou o meu sotaque. Lembro que ela comentou que não sabia que eu era estrangeira e eu ainda respondi que em algum campo do requerimento eu tinha sim comentado. Ela simplesmente deu uma desculpa, desligou o telefone e nunca mais retornou.
Acreditem, este tipo de situação não foi a primeira vez que aconteceu comigo. Por esta razão, logo menciono que sou estrangeria pois desta maneira, já descarto todos os preconceituosos de uma vez. talvez por isso, apenas uma creche me chamou, que foi onde eu trabalhei por um ano.
Eu já havia entrado numa creche finlandesa antes por causa dos meus filhos, mas entrar para trabalhar foi algo muito diferente. Vinda do Brasil era quase impossível não ficar de boca aberta diante da infraestrutura de uma creche pública. A creche que eu trabalhava tinha ênfase em artes e a casa tinha um ateliê completo e espaçoso com todo o material que você possa imaginar em abundância. O local era o paraíso para qualquer professora, encontrava-se suporte para qualquer projeto que você por ventura idealizasse. Neste sentido, eu aproveitei, acho que nunca fiz tantos projetos de artes como naquele ano. Terminamos com uma grande peça de teatro idealizada juntamente com as crianças. Projeto trabalhado segundo as representações dos alunos.
O sistema organizacional horizontal era outro aspecto magnífico. A diretora era apenas um apoio, as professoras tinham total liberdade para contruirem as suas ações. No sistema de creches finlandesas, cada sala conta com três professoras e, às vezes, se houver necessidade, uma ajudante de sala. A professora principal, responsável pela turma é a pedagoga e as outras duas que, são chamadas de cuidadoras, possuem o que no Brasil seria o grau de magistério.
Chegando na creche, desta vez como professora, para o primeiro dia de trabalho, foi também o meu primeiro choque cultural. Acostumada com as práticas pedagógicas brasileiras fui imediatamente perguntando pelo plano semanal para poder me situar. A resposta da professora responsável foi que não existe a produção de um plano semanal detalhado como no Brasil. As atividade são, na sua maioria, livres e nascem do próprio interesse da criança que decide o que quer brincar e com quem. O que cada sala tem, me explicou ela, é um calendário temático semanal que é fixo, por exemplo: segunda é o dia da ginástica, terça é o dia do passeio na floresta, quarta é o dia da música, quinta é o dia de trazer um brinquedo de casa e sexta é o dia do ateliê. Desta forma, existe um significado para cada dia que orienta a criança e os pais em relação ao que vai acontecer naquele dia e o que a criança irá precisar para tal atividade, como por exemplo: trazer um lanche extra no dia do passeio à floresta para o pequenique coletivo.
Devo adminitir que este tipo de prática me deixou um pouco insegura nos primeiros dias em relação a como deveria agir após as principais atividades já terem sido efetuadas. Sei que existem linhas pedagógicas menos rígidas e que pregam a liberdade da criança, mas mesmo assim, estamos acostumados a ter as nossas ações sempre verificadas por outros e para tanto, tudo é registrado. O excesso de liberdade me cegou por alguns dias desorientando-me. Talvez eu estive mergulhada de uma maneira um pouco excessiva nas práticas teóricas.
Aos poucos fui me adaptando e, como tínhamos total liberdade e apoio, fui também inventando os meus próprios projetos e fazendo os meus próprios registros. Neste sentido, posso dizer que cresci muito, não só como professora mas também a minha integração com as colegas da minha turma.
Penso que este sistema de livre iniciativa é excelente justamente no sentido de dar a oportunidade à turma de crescer e se desenvolver num processo uníssono. Aos poucos vamos reconhecendo as necessidades das crianças, assim como os seus pontos fortes e fracos e vamos, ao mesmo tempo, nos reconhecendo enquanto grupo de professoras e descobrindo as melhores formas de realizar um projeto conjunto mais rico e eficiente. Obviamente uma pessoa mais passiva tende a não produzir tanto num tipo de sistema aberto como este, mas como são três professoras, uma sempre acaba incentivando as demais e acontece um processo circular crescente que acaba envolvendo a turma toda. Desta forma, finalmente estava integrada no sistema e nunca percebi nenhum tipo de preconceito por ser estrangeira, nem das outras professoras nem por parte dos pais das crianças, muito pelo contrário, todos viam positivamente a minha condição e consideravam que eu podia contribuir muito trazendo aspectos novos da minha cultura e incorporando no trabalho diário do grupo.
Foi interessante descobrir que na Finlândia, não existe a preocupação do ensinar nas creches. A rotina era bem estabelecida a fim de dar uma base para as crianças, mas o principal objetivo era a socialização e o brincar.
Os professores eram responsáveis por preencher uma ficha a respeito da criança uma vez por ano que é discutida com os pais e, posteriormente, enviada à pediatra da cidade que, juntamente com a avaliação clínica, procede a avaliação anual da criança. Desta forma, cada criança finlandesa recebe uma avaliação pedagógica e clínica anualmente. Diante disto, podemos começar a compreender o valor do papel do professor de educação infantil na sociedade finlandesa, uma vez que ele é um dos responsáveis pelo acompanhamento desta criança até a pré-escola.
ENSINO FUNDAMENTAL
Na Finlândia o ensino é obrigatório dos 7 aos 16 anos. Antes disto, a maioria das crianças faz a pré-escola que, geralmente, está integrada à creche. Daquelas avaliações anuais que eu comentei acima, a última será para ver se a criança está preparada para ingressar na primeira série. Se for constatado durante os anos que a criança esteve na creche qualquer difuculdade, esta criança será encaminhada para uma pré-escola que melhor se adeque às suas necessidades. Por exemplo, se existe um problema de sociabilidade com este aluno, ele será colocado numa turma pequena ou se a criança vem apresentando durante os anos precedentes dificuldade de aprendizagem ou raciocínio lógico, ela será encaminhada para uma pré-escola onde a professora terá a formação de psicopedagoga. Assim, procura-se preparar o melhor possível o aluno para ingressar na primeira série. Praticamente 85% destes alunos ingressam na primeira série já sabendo ler e escrever palavras básicas.
Eu ingressei na escola de Iivisniemi como auxiliar pedagógica, justamente com as esperança de poder trabalhar com alunos com dificuldades de aprendizagem. Foi a primeira escola a qual eu me inscrevi no site de empregos de Espoo e fui muito bem recebida. Quando comentei que tinha experiência em lecionar em favelas no Brasil, o reitor achou que isto poderia auxiliar os alunos com problemas comportamentais e eu fui direto para a turma especial da 6° série.
A escola contava com três turmas especiais, para alunos com problemas comportamentais e agressividade. Todos os professores eram psicopedagogos de formação e a cidade de Espoo pagava o transporte dos alunos que residiam em outros bairros. A primeira série tinha dois professores mais a auxiliar pedagógica e no total seis alunos. A escola ainda proporcionava uma psicóloga que vinha uma vez por semana conversar com estes professores e avaliar cada caso.
Eu estava locada na 6°C série, onde eram apenas quatro alunos e um professor, mas eventualmente auxiliava também as outras turmas. Devo confessar que, nauqela época trabalhar com estes alunos foi um grande desafio. Mas, felizmente, existiam os alunos com difuculdades de aprendizagem que estavam integrados nas turmas comuns e necessitavam de auxílio. Aos poucos comecei o meu trabalho com alunos das outras duas 6° séries e 3°séries. Éramos duas professoras na sala e muitas vezes eu era convidada a dar aula.
Quando se fala que na Finlândia são duas professoras por sala, significa que uma é auxiliar pedagógica e está presente para trabalhar com um ou mais alunos em integração.
Trabalhei um ano nesta escola e nunca sofri nenhum tipo de preconceito, adorei conhecer o sistema de perto e conviver com os professores. Fiquei muito feliz quando fui convidada para substituir uma das professoras e pude ser a professora titular de uma das 6°séries por um tempo. Também tive a oportunidade de dar aulas extracurriculares de artes para os alunos da 1° e 2°séries.
Durante este tempo, pude observar como funciona o sistema educacional finlandês e quais as principais diferenças em relação ao nosso. Foi a partir daí que iniciei minhas pesquisas em busca de uma pedagogia mista que pudesse ser aplicada a nossa realidade. Foi assim que comecei a me interessar mais pela educação especial e voltei a estudar. Cursando psicopedagogia na Universidade de Helsinki, em finlandês, eu procuro fechar um ciclo que me habilita a entender e trabalhar com todos os tipos de alunos.
Na educação infantil, o diretor da escola, chamado reitor, é uma figura de apoio e não de controle. As escolas recebem um plano geral nacional para servir de base, mas tanto a escola como os professores, têm total liberdade para orientarem suas ações educativas de acordo com as necessidade e possibilidades dos alunos. Geralmente cada escola tem uma especialidade que pode ser artes, música, esportes, etc e os professores procuram dirigir os seus esforços nesta linha.
O professor tem total liberdade de ação dentro da sala de aula e são feitas reuniões semanais com todo o corpo docente para manter uma homogeneidade e cooperação entre as turmas. O reitor e vice-reitor sugerem ações que serão discutidas pelo grupo e acatadas ou não, dependendo do interesse ou disponibilidade dos professores. Todos participam das reuniões, até os auxiliares e todos tem poder de voto. É interessante observar que para o Finlandês, o reitor é um representante daquela escola, por exemplo nas reuniões da cidade e não quem manda na escola! Claro que ele tem a palavra final, mas pelo que pude observar, tudo acontece com muita tranquilidade e num clima muito ameno. A horizontalização do poder é um fato predominante na sociedade finlandesa e é definitivamente um dos aspéctos que torna o sistema educacional tão efetivo. O governo, por exemplo, dá o apoio mas não interfere nas escolas que possuem total autonomia, isto significa confiança.
A profissão de professor é valorizada e tratada com respeito. Não vou dizer que é tão valorizada quanto um médico ou é a mais valorizada de todas, pois isto é falso, o professor é valorizado como deveria ser, sem exageros e nisto entra uma questão histórica da atuação de professores no processo de independência do país. No entanto, profissões com salários mais altos como médicos, engenheiros e o pessoal do business tem mais estátus na sociedade e isto é fácil de compreender.
Mesmo assim, a profissão de professor é uma das mais procuradas na Finlândia e de cada 10 candidatos apenas um consegue a vaga. O país investe numa formação de professores de primeira qualidade e o resultado são professores muito mais comprometidos.
Outra questão que sempre se fala é o salário e muitas vezes jornalistas convertem os 3000€ em reais o que faz com que os brasileiros arregalem os olhos e se perguntem como é possível um professor ganhar tanto assim. Para nós que vivemos aqui, 3000€ é um salário justo mas não é nehuma fortuna, não compra luxos e não faz de ninguém um milhonário.
Acredito que isto seja uma maneira de valorizar a reportágem, supervalorizando certas informações para tornar mais atrativas aos leitores.
Não é verdade que o salário é alto, é um salário digno; não é verdade que não existem provas, é lógico que exite! O que não existe é a prova nacional; não é verdade que não existe lição-de-casa, existe sim, não é uma quantidade grande mas existe. Não é bem assim que todas as salas têm duas professoras, já expliquei acima que muitas turmas tem uma auxiliar.
A Finlândia ainda não é o paraíso, ainda estamos no mesmo planeta e isto significa que estamos todos evoluíndo em busca de uma socieade melhor. Em relação a outros países a Finlândia está incrivelmente em melhor posição, mas isto não significa que aqui não existam problemas e sim que estes problemas são tratados de outra forma.
Acredito que quando o mundo todo pergunta sobre qual é o “segredo” do sucesso do modelo finlandês, a resposta é explicada por uma série de fatores e não por uma única ação. Se fossemos escolher um único fator como o principal responsável seria uma tarefa impossível, pois estes fatores todos compõem o desenho de uma sociedade que valoriza a educação e portanto, vem desenvolvendo atitudes em prol desta desde a reforma na década de 70. Os números mostram esta realidade, um país onde 75% dos adultos possuem diploma de ensino superior.
Na minha experiência eu percebi a escola como um ambiente muito tranquilo, escolas com uma boa infraestrutura, um diálogo amigável entre o poder público e os educadores, professores na sua maioria satisfeitos. Na verdade, ações com muita simplicidade que vão somando-se a outras numa forma integrada de trabalho entre todos da escola. Um dos pontos fundamentais que nota-se na sociedade finlandesa é o desapego ao individualismo e a preocupação com o sistema como um todo e este “todo” é o verdadeiro significado da palavra sociedade. É a descentralização do “eu”, pois a sociedade não sou “eu”, mas o “eu” inserido neste todo. Este é o pensamento de uma sociedade desenvolvida!
Você pode saber mais sobre a escola vendo os vídeos, o vídeo sobre o ensino fundamental foi filmado na escola de Iivisniemi.
Obrigada por ler 🙂
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