Por: Evelyse Eerola
Para: Brasileiras pelo mundo
Desde que cheguei à Finlândia, a Páscoa é para mim como um marco entre o difícil e longo inverno e a primavera que chega. As pequenas tulipas abrem caminho através da neve que já está derretendo e vão pipocando pelos jardins anunciando a Páscoa e a primavera. Os pássaros vão retornando e a natureza não é mais silenciosa e formal como no inverno, mas uma explosão de cores e sons.
A Páscoa, assim como outras datas religiosas, é recheada de tradições antigas dos povos nórdicos que se misturou com as festas cristãs. Deste sincretismo nasce uma cultura interessante que vai fundindo e adicionando detalhes de várias práticas formando um interessantíssimo mosaico chamado hoje em dia de “cultura finlandesa”.
Uma semana antes da páscoa se alguém tocar a sua campainha no domingo e você abrir e encontrar pequenas bruxas, não se assunte, não é Haloween! Isto mesmo, na tradição finlandesa as crianças se vestem de bruxas, colocando lenços e pintando o rosto com bochechas vermelhas imitando velhas agricultoras. Carregam galhos de salgueiro decorados com fitas coloridas, flores e plumas e saem de casa em casa pedindo gulozeimas em troca de bênçãos. Não pode faltar a vassoura e uma chaleira velha onde é colocada a recompensa. Elas fazem a benzedura e o dono da casa recebe o galho enfeitado que deve servir de amuleto para a boa sorte, em troca dá-se balas e chocolates.
A religião predominante na Finlândia é a luterana, mas muitas das tradições derivam da assimilação da cultura dos povos antigos. No caso das bruxas, conta-se que antigamente os povos fino-úgricos mantinham a tradição de nesta época de entrada de primavera afugentar os maus espíritos benzendo as pessoas, o gado e a plantação com galhos. Na verdade, os galhos eram usados em várias ocasiões para o ato da benzedura e quem o fizesse ganhava alguma recompensa. Era comum os pobres da idade média nesta época do ano, benzerem os ricos que passavam em seus cavalos e ganharem algum dinheiro por isto.
As bruxas mesmo sendo entidades consideradas mas, neste período de entrada de primavera saiam trocando o poder de suas bençãos por algum tipo de pagamento. Assim, surgiu a brincadeira onde as crianças representam as bruxas que benziam as pessoas de porta em porta, desejando sorte e trocando o ato por alguma recompensa, ou as consequências poderiam ser má sorte para a família e a plantação, uma vez que as bruxas detinham o poder de controle sobre a natureza.
Claro que eu não esqueço de deixar um pote cheio de balas a espera das bruxinhas da vizinhança, afinal não quero atrair má sorte para a minha família!
Assim que abrimos a porta elas já perguntam se podem benzer e recitam os versos:
Virvon, varvon, tuoreeks terveeks, tulevaks vuodeks; vitsa sulle, palkka mulle!
(Traduzindo: Tenha um ramo mágico para um novo e saudável ano; um ramo para você e um doce para mim!)
Quem pode resistir!
As pequenas bruxas tendem mais a aparecer no sábado de Páscoa na Finlândia ocidental, mas no Domingo de Palmas nas outras regiões. É interessante observar que neste ritual há uma mistura de duas tradições antigas, o ritual ortodoxo russo, onde os ramos de bétula representavam as palmas colocadas para a passagem de Jesus em Jerusalém no domingo de palmas e a tradição dos países nórdicos na qual as crianças zombavam de entidades que antigamente eram temidas por suas malvadezas, como as bruxas.
Nas creches e escolas as crianças coletam e decoram os ramos de salgueiro juntamente com os professores para usarem com suas fantasias de bruxas no final de semana antecedente à Páscoa. O sincretismo religioso torna-se evidente quando nas lojas vê-se muito mais bruxas do que coelhos de páscoa, são “as bruxas da páscoa”.
As tradições da Páscoa finlandesa misturam referências religiosas com costumes relacionados a chegada da primavera. Não somente o ato da benção para a colheita, como também a tradição das famílias plantarem a primeira grama depois do longo inverno. As crianças plantam sementes de grama, o chamado “rairuoho” em potinhos decorados e ficam observando a graminha germinar, simbolizando a renovação da vida pela primavera que chega e os ritos de fertilidade.
As sementes podem ser compradas nas lojas e a grama já deve estar crescida para o domingo de Páscoa. Depois da graminha verde ter crescido, esta é decorada com pequenos pintinhos e enfeitam as mesas das casas.
A cor da Páscoa definitivamente é o amarelo e as casas são enfeitadas com flores, guirlandas, laços e outros enfeites relacionados à Páscoa. Os ovos e coelhos também fazem parte da comemoração, mas estes são elementos cristãos que surgiram mais tarde e por isso têm uma importância secundária.
Os atepassados estavam sempre lutando contra maus espíritos e uma das formas de afastá-los era acendendo fogueiras, se não fosse pelo poder do fogo, a fumaça os manteriam afastados. Deste modo, também na Páscoa alguns vilarejos e pequenas cidades ainda mantém a tradição de ascenderem fogueiras no sábado à noite para afastar os possíveis espíritos perturbadores e garantir um domingo de Páscoa tranquilo.
No tão esperado domingo de Páscoa, as famílias se reúnem para o almoço tradicional onde é servido pernil de carneiro como o prato principal. As sobremesas também são típicas e são feitas com muitos ovos, aproveitando que na primavera estes são abundantes.
Muitas delas trazem a influência russa, como a “pashka” que é feita de coalhada, ovos, manteiga, cremede leite e frutas cristalizadas. Esta sobremesa é bonita e muito gostosa e, hoje em dia pode-se comprar pronta em supermercados.
Além disso, outra sobremesa típica finlandesa é o “Mämmi” que é uma espécie de mousse de malte e farinha de centeio que se come com leite.
Não conheço nenhum brasileiro que goste, experimentei uma vez e não gostei, mas os finlandeses adoram e não pode faltar na mesa de Páscoa.
Como a Finlândia quase não tem feriados, aqui ninguém emenda, os quatro dias de feriado da Páscoa servem para os finlandeses recarregarem as energias depois do longo inverno. Os que têm familiares no interior viajam e os da cidade comemoram saindo para os parques e aproveitando a luminosidade e os sinais da primavera.
Boa Páscoa para todos e que venham as bruxas!
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