A educação vem do berço

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Depois que vim morar na Finlândia, esta frase começou a ter mais sentido para mim. No Brasil ela significa separar aqueles que nasceram em famílias mais abastadas dos que nasceram em famílias mais simples e, analisando mais profundamente, como numa lógica de sistemas de castas, quer dizer que você pode até estudar, mas não terá a mesma educação do vizinho que nasceu em berço de ouro ( outro ditado nosso).

Quanto mais eu estudava para ser uma educadora, mais eu categorizava este ditado na minha lista de “ditados idiotas e preconceituosos” e assim ia seguindo a minha vida.

No entanto, as coisas não são estáticas  e dizem que quem pensa, muda de ideia. Bom, comecei a analisar a sociedade finlandesa e a pensar nesta questão de “qual será o grande segredo da melhor educação do mundo”. Já analisava isto meio que silenciosamente em um cantinho da minha mente quando meus filhos estavam na escola finlandesa, depois foram para a escola brasileira, quando moramos novamente no Brasil. Porém, quando ingressei no sistema finlandês como professora, tornou-se inevitável tentar compreender este segredo. Depois de ter experiência de ensino no Brasil e estar integrada ao sistema finlandês eu tinha obrigação de “desvendar o segredo”.

Quanto mais eu procurava as respostas na escola ou na creche, mais longe eu estava de conseguir uma análise honesta e precisa do quadro. Era como entrar num labirinto e me perder diversas vezes com perguntas sem respostas. Obviamente as respostas existiam, era a minha capacidade de análise que não estava pronta para compreender de forma ampla a questão.

A creche praticamente restringia-se a cuidar, quase não se ensinava nada. Mas quando as crianças passavam para a pré-escola, em seis meses de meio período somente, já estavam praticamente alfabetizadas. Quando entravam na escola, 90% já sabia ler e escrever. Incrível! Eu estava lá, mas não conseguia perceber como este processo acontecia tão rápido e ainda de modo tão informal: com brincadeiras e muita descontração.

Este processo obviamente eu acompanhei também na escola e embora eu estivesse lá justamente para trabalhar com aqueles que tinham dificuldade de aprendizagem, mesmo assim o tal do milagre novamente acontecia bem nas minhas fuças e eu não conseguia compreender qual a diferença daquelas crianças para as nossas crianças.

Aos poucos, quando eu realmente procurei olhar o panorama sob o olhar dos finlandeses  eu comecei a perceber que de fato a educação vem do berço e é isto que molda esta sociedade e prepara tão bem os futuros estudantes, as peças começaram a se encaixar.

Se você for analisar a educação finlandesa e os porquês do seu sucesso, você tem que retroceder até o momento em que aquele aluno nasceu e como se deu a educação dele desde o berço. Começando do óbvio – que os filhos seguem o exemplo dos pais, e sabendo que o povo finlandês é um dos povos que mais lê no mundo, já dá para se ter uma ideia do que esta influência positiva gera na psique dos futuros estudantes em relação ao ato de ler, de ter contato com o livro, o papel de se concentrar numa tarefa de leitura. A concentração é uma arte que se aprende!

Não é só uma questão de incentivar o seu filho a ler, mas a questão de você próprio ser um exemplo, de toda a família e amigos terem os mesmos interesses. Os pais já levam os filhos nas bibliotecas quando ainda eram bebês para terem contato com os livros. As bibliotecas possuem maravilhosas seções infantis com um vasto e moderno acervo e aí entra o papel do estado. Afinal, se toda a vila educa uma criança, o sucesso ou o fracasso também é comum. O estado está presente na educação das crianças auxiliando e inspirando os pais nesta tarefa. O finlandês vai em média uma vez por semana na biblioteca mais perto da sua casa, retira livros, CDs, DVDs e outros materiais que tem disponível. Muitas bibliotecas oferecem cursos gratuitos para crianças de todas as idades. O treinamento para a concentração – manusear um livro e ficar concentrado, olhando as figuras ou ouvindo um adulto ler – já começa desde pequeno e segue ao longo da vida. Logo que  se ingressa na escola, esta é uma tarefa prazerosa e familiar.

Não adianta dizer que é por causa do tempo que é muito frio e que as nossas crianças preferem ficar fora por causa do nosso clima tropical. Os finlandeses são um dos povos que mais praticam esporte, praticamente todas as crianças têm pelo menos dois tipos de hobbies. Quanto ao clima, eles saem com qualquer tempo, o inverno não é problema nenhum.

Ainda não é tão simples, pois continua sendo uma série de fatores que moldam esta sociedade e que moldam outras sociedades de forma diferente. Caímos na questão de quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Se o finlandês é o povo que mais lê é porque começou com os pais, dos pais, dos pais… deles, mas quando tudo realmente começou? Houve algo que fez com que o primeiro finlandês resolvesse passar o tempo lendo e assim passou isto para os filhos como algo importante, mas este “algo” não aconteceu em outros países. Claro que estou simplificando o raciocínio!

Há cem anos atrás a Finlândia era um país de pobres e analfabetos que havia sido colonizado pela Suécia e depois pela Rússia. Ou seja, temos algo em comum. Nesta época o governo resolveu investir na educação e hoje vemos o resultado desta “inspiração divina”. Significa que hoje eles estão colhendo os frutos de uma decisão acertada. Neste ponto já deveríamos tomar isto como lição. Aqui existe um grande senso de comunidade e os finlandeses pensam no bem comum. Embora existam sim escolas particulares, a educação não é vista como um negócio e, na verdade, não existe um “segredo”: existe um comprometimento. Quando analisamos mais profundamente o modelo de educação e os seus resultados positivos, acabamos descobrindo que o sucesso não está exatamente no modelo, mas sim na sociedade, na cultura do povo, naquilo que é prioridade para o finlandês.

Aí entram outras questões da personalidade do povo finlandês:  a capacidade de organização, por exemplo. A cultura foi moldando um povo mais concentrado, mais calmo, muito interessado em estudar e aprender sobre outras culturas, um povo extremamente culto. Por outro lado, um povo com um alto índice de alcoolismo, extremamente tímido, às vezes até grosseiro. Em resumo, um povo que não se misturou muito, que viveu muito entre eles mesmos, e prova disto é o grande número de alergias que eles têm. Um povo que agora, com a globalização, se vê forçado a conviver com estrangeiros, a aceitar ou tentar compreender outras culturas. E nisto a própria escola começa a mudar, e ao mesmo tempo procura manter a sua identidade apesar do grande número de crianças estrangeiras que não vem com esta base, trazendo na mochila uma outra cultura. E agora, será que o sistema vai conseguir se adaptar e continuar com a mesma qualidade?

Talvez a tarefa dos educadores seja mais fácil quando a educação já vem do berço, pois existe um consenso, e de fato o modelo funciona, com a nova realidade, com aqueles que não trazem esta bagagem, talvez isto se modifique um pouco. Para aqueles que têm pais analfabetos em casa, por exemplo, e vivem uma cultura completamente diferente, a tarefa vai ser um pouquinho mais difícil. Agora o modelo está sendo posto a prova. Mas, isto é assunto para outro artigo….

Evelyse Eerola

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